Os juízes grevistas vistos por um advogado trabalhista

Parcelas dos juízes federais e do Trabalho, em 30 de novembro de 2011, paralisaram as atividades. Iniciativa equívoca, com efeitos nocivos para ambas as instituições: magistratura e direito de greve.
Superamos no Século XIX a greve-delito, tratar a questão social como caso de polícia, quando já se assentava a greve como liberdade. E alcançamos a greve-direito, modelo consagrado no Brasil. Tais modelos refletem a postura do Estado em relação ao movimento social expresso em greve. A evolução vai da repressão explícita à indiferença ou tolerância, no modelo greve-liberdade, e à garantia constitucional, no modelo atual.
A greve é, muitas vezes, benéfica às relações trabalhistas e à vida social. Inconvenientes socioeconômicos temporários das paralisações do trabalho são pequenos, se comparados aos benefícios sociais causados pelas melhorias das condições de trabalho, vida, saúde e segurança dos trabalhadores. Nesse contexto é que o art. 9º da Constituição lhe assegura. Diz, no entanto, que os titulares do direito são os trabalhadores, a quem compete deliberar sobre conveniência e oportunidade do seu exercício.
Não obstante fundamental, greve não é direito geral nem absoluto. Sua titularidade é atribuída a trabalhadores, mas assegurado o interesse social da comunidade de atendimento às necessidades inadiáveis e manutenção dos serviços ou atividades considerados essenciais por lei.  Não há greve, portanto, de desempregados. Nem de empregadores.
Órgãos de Poder de Estado não têm direito de greve, nem de paralisar atividades fundamentais. É incompatível o instituto da greve para quem não se subordina senão às suas próprias consciências e a Lei de Greve existente, aplicável aos servidores públicos por decisão do STF, não alberga juízes.
Juízes são órgãos de Poder, assim definidos constitucionalmente. Por isso, não vociferam nas ruas. Não promovem passeata ou piquete. Isso só seria crível num estado de exceção ou no cinema chanchada. Ao fazer manifestação amplamente difundida como “greve de juízes”, provocam dois males enormes. Detratam a greve, da qual não são titulares. E vilipendiam a magistratura, invocando instituto que pressupõe, para o seu exercício, o jugo de uma subordinação incompatível com a função, a atividade, a missão institucional e o status constitucional do juiz.
Não há, nem pode haver, direito de greve do último garante desse direito em relação a todos. Quando instauram greves ou movimentos de paralisação das atividades, opondo-se a instâncias, órgãos e Poderes da República, os juízes perdem a noção da própria dignidade especial que a Constituição atribui aos seus cargos públicos, que são assentos de poder da República.
Poder não suspende suas atividades. Não se paralisa, catatônico, à espera de um milagre ou de que se lhe ouça, quando não se faz ouvir. Ao declararem greve, os juízes se qualificam como meros prestadores de serviços jurisdicionais. Olvidam a sua face de Poder de Estado, únicos indivíduos a receberem, juntamente com o Presidente da República e chefes do Executivo, a condição de órgão singular de Estado.
Vestem o uniforme da subordinação, e subordinam a própria ação ao atendimento de reivindicação econômica mínima. Trocam o máximo, a condição de órgãos de Poder controlador da constitucionalidade e liceidade de todos os atos, pelo mínimo. E o fazem com incompatível ausência de humildade, com a pretensão de que a paralisação de suas atividades fosse causar uma autêntica débâcle nos demais Poderes da República. O que se vê, no entanto, é a baixíssima capacidade de mobilização social dos magistrados. Correm o risco de verem seu movimento passar despercebido. Se notado, é visto como burlesco.
“Greve de juízes” não exerce coação sobre ninguém, senão sobre a população jurisdicionada. E, nesse sentido, o movimento é um erro brutal. Não atrai a simpatia dos partícipes da Justiça, senão de uma minoria. E angaria um enorme plexo de detratores da magistratura e do instituto da greve como direito. Na prática, o imobilismo dos juízes não mobiliza a quase ninguém, senão a poucos interessados.
É no Juiz que o advogado e o cidadão depositam as suas esperanças últimas, a do poder que exerce o controle de constitucionalidade, inclusive em relação aos demais poderes. É o poder a quem se outorga o monopólio da violência legítima: dizer o direito e impô-lo mediante o emprego da força.
O movimento tem aparência de greve, mas não é greve. Há fatores materiais da greve (cessação coletiva do trabalho) e fatores psicológicos da greve (o concerto da paralisação do trabalho visando obter o atendimento de reivindicações). Mas não há interlocutores legítimos ou sindicato de juízes. As suas associações não têm essa natureza. E não há interlocutor patronal.
Os julgadores travam, na verdade, uma disputa política alocativa de recursos públicos. O palco dessa disputa é político institucional. Não descamba para a inação. Se as instituições formais de poder fazem ouvidos moucos para as reivindicações acerca da distribuição de recursos públicos não será a paralisação das atividades que irá demonstrar sua essencialidade. Essencialidade é essência e não aparência. Juiz só é essencial em ação. Em inação juiz não é poder mas declinação de poder e o declínio da cidadania.
Sustar distribuição de justiça é paralisar as esperanças de um país melhor, cidadão, democrático. Ao trabalho! Todos! Exerçam os magistrados o poder de que foram investidos para a construção de um mundo mais justo, sem obstrução das vias democráticas que asseguram o caminho em direção a esse propósito.
Luís Carlos Moro é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia, conselheiro e diretor da AASP, ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AAT/SP), Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) e Associação Latinoamericana de Advogados Trabalhistas.
Revista Consultor Jurídico, 1º de dezembro de 2011

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