Infelizes do Brasil, uni-vos!

Mesmo sendo do ano passado, vale a pena reler!

(fonte:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/infelizes-do-brasil-uni-vos/)

Infelizes do Brasil, uni-vos!

Infelizes do Brasil, uni-vos! Há o risco de que vocês comecem a apanhar de vara na rua, mais ou menos como a polícia religiosa faz em certos países islâmicos com o nobre intuito de resguardar a fé. Por lá, levam varadas as mulheres desacompanhadas ou que não se comportam segundo o decoro… Por aqui, as Milícias da Felicidade buscariam enquadrar aqueles que não conseguiram, sei lá, encontrar o ser que os protegesse “contra o não-ser universal, arcano impossível de ler”, como disse o poeta. Se preciso, o estado ministrará aos desafortunados doses do “Soma”, uma droga sem efeitos colaterais, que induz à imediata felicidade, como em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Nós somos assim: não há bobagem benigna que não estejamos dispostos a experimentar.
A PEC da Felicidade, como está sendo chamada, é de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que acaba de ser reeleito. Certamente ele não vislumbrou nada de mais urgente no país. Hoje, o Artigo 6º da Constituição está assim redigido: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” O senador achou que o paraíso não estava devidamente assegurado e resolveu explicitar a coisa. A redação ficaria assim: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Sabem o que é mais fabuloso nisso tudo? As falsas informações que vão circulando, tentando demonstrar que o Brasil estaria seguindo o passo de outros países. A Constituição da França traria assegurado esse direito. A íntegra está aqui. “Felicidade”, em artigo, não tem, não! No preâmbulo, o texto, de 1958, explicita sua adesão aos princípios gerais da Constituição anterior, de 1946, que, com efeito, fica a um passo de instituir o paraíso na terra, mas não chega a tocar na palavra “bonheur” (felicidade), que aparece, sim, no preâmbulo da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789, que a Constituição diz ser também um de seus fundamentos.
Também se diz que a Constituição do Japão assegura a felicidade. A íntegra está aqui. Os mistificadores certamente se referem ao Artigo 13. É uma pilantragem intelectual. Ela estabelece que o direito “à vida, à liberdade e à busca da felicidade” deve ser o principal objetivo do legislador, mas atenção!, só na medida em que não agrida o “bem-estar público”. Eu diria que o sentido é contrário àquele alardeado.
O outro país de referência é a gloriosa monarquia do… Butão! Essa bobagem se espalhou depois que Pablo Guimón, do jornal espanhol El País, fez uma reportagem cantando as glórias daquele país, onde o monarca se saiu com a máxima de que, mais importante do que o PIB, é a FIB — ou seja, em vez de os países se notabilizarem pelo seu Produto Interno Bruto, devem ser conhecidos pela Felicidade Interna Bruta. Também no Butão, existem 3% de recalcitrantes: a reportagem do El País informa que 52% da população do país se declarou “feliz”; 45%, muito feliz, e só 3% teve a ousadia de se dizer “infeliz” (mesmo índice que acha Lula “ruim ou péssimo” no Brasil).
Mas eu entendo essa invejável taxa de felicidade bruta do Butão. Só 47% da população é alfabetizada (165º no ranking mundial), a mortalidade infantil é de 45/1000 (131º), e o IDH, 0,619 (132º). O Brasil mesmo é a prova de que a população não precisa nem de esgoto para ser feliz ou para “aprovar” o governo. Monteiro Lobato, que o governo Lula tentou censurar, é que achava que não se podia ser feliz de cócoras, no mato. É claro que sim!
Por Reinaldo Azevedo

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